Matrimônio endogâmico é uma espécie de tradição na narrativa do texto bíblico, que impõe, ou ao menos recomenda, o casamento no interior do clã, ou seja, o cônjuge deve ser encontrado no seio do parentesco, ou mesmo da linhagem.
Nas narrativas patriarcais temos a princípio o próprio Abraão, que se revela casado com sua meio-irmã patrilateral, Sarah (Gn 20:12). Apesar disso, o que o texto vai apresentar nos relatos seguintes, sugere que o casamento endogâmico ideal é realizado entre primos, como é o caso de Isaac e Rebeca (neta do irmão de Abraão, conforme em Gn 24:15) e mais ainda o entre Jacob e Leia e Rachel (as quais são primas cruzadas matrilaterais de Jacob, conforme Gn 28:2).
Sociologicamente falando, esses casamentos dentro do clã conservam a linhagem, garantem a preservação da identidade e impedem a dispersão dos bens familiares, especialmente no casamento com a prima cruzada[1] matrilateral, já que se analisarmos em última instância, permite que o filho recupere mesmo que em parte, os bens saidos do patrimônio por ocasião do casamento do pai. Teologicamente, o casamento endogâmico no período patriarcal tem por finalidade garantir a pureza do culto a D´ e o não afastamento para servir outros deuses, já que há uma aversão por parte dos Israelitas aos cultos e culturas das outras nações, em especial as cananéias, consideradas não só profanas mas sobretudo como sendo imbuídas de perversões sexuais.
O casamendo exogâmico, por oposição ao endogâmico, é a contração de matrimônio fora do grupo étnico, o que no contexto das narrativas patriarcais é não só indesejável mas também proibido, o que se percebe no episódio em que Abraão envia seu servo à sua parentela para buscar uma esposa para Isaac com especial restrição às “filhas dos cananeus"[2] (Gn 24:3), e no episódio que narra o matrimônio exogâmico de Esaú com as mulheres hetéias (Gn 26:34) que causa desgosto a Isaac e a Rebeca (Gn 26:35, 27:46).
A importância do casamento endogâmico é admitida pelo mesmo transgressor da regra, como no casa de Esaú, que reconhecendo que seu status havia caído pela violação ao costume, tenta reavê-lo casando-se com a filha de Ismael, sua prima paralela[3] patrilateral, o que não fez sentido, já que ele se uniu em matrimônio com a parte deserdada descendência de Abraão.
Levirato
Quanto ao levirato, era uma instituição que existia entre os israelitas e outros povos do Oriente Médio antigo (como os assírios e os hititas), e consistia na obrigação imposta às mulheres de se casarem com o irmão mais novo do falecido marido. Assim, o cunhado tinha a responsabilidade de, através deste casamento com a viúva de seu irmão, dar um herdeiro do sexo masculino ao falecido, de modo que o nome deste não desaparecesse[5] em Israel e mantivesse a propriedade em seu nome. Desta forma, o primogênito, levava o nome do pai “legítimo” (ou seja, o primeiro marido falecido), sendo o tio (pai biológico) o representante do pai. A importância desta lei, que já é consuetudinária antes de Dt 25:5-10, reside não só em manter o nome da família, já que proibia o casamento da viúva fora da família do marido, mas talvez sobretudo na manutenção das propriedades dentro do clã.
Assumir a responsabilidade de cumprir esse dever para com o falecido irmão é a essência do significado do levirato, como vemos em Gn 38 (episódio de Tamar e Onã) e também na história de Rute (onde na falta de um cunhado, um parente mais próximo assume esta responsabilidade). No caso do cunhado se recusar à este dever de suscitar um herdeiro para o irmão morto, então, perante os anciãos, a cunhada viúva publicamente teria que desonrar o irmão do marido, tirando-lhe a sandália e cuspindo-lhe no rosto. Então a partir daquele momento, ele seria conhecido em todo o Israel como “a casa do descalçado”[6].


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